sábado, julho 25, 2009

TESTAMENTO NUNCUPATIVO



Quando eu morrer, quero que seja de uma forma bem sutil.
Que seja em uma viagem, por exemplo.
Quero morrer bem longe de tudo.
Talvez num gueto de Nova York, talvez na selva amazônica, ou no deserto do Saara.
Se no gueto, serei certamente enterrado como indigente, um corpo jamais reclamado.
Se na selva amazônica, as feras da mata cuidarão de minhas exéquias.
No saara, talvez meus ossos sirvam de marcação para rotas de beduínos.
Pode ser também em um canto da serra do bebedouro,
num valo entre os montes,
bem perto da água corrente, do canto do sabiá, do tiziu, do bem-te-vi,
dos coqueiros, das grandes mangueiras, da invernada e no grotão.
Quero que meu corpo sirva de comida à fauna local
e que adube a terra para que ali, onde ele desaparecer,
nasça a mamona, a urtiga, o arranha-gato
que evitem, portanto, que os seres humanos transitem pelo local.
Quero que minhas entranhas
sejam devoradas pelos vermes ou urubus, que comem cadáveres
e não mais em vida pelos meus semelhantes,
que comem as entranhas das almas.
Trocarei, então, o burburinho das grandes aglomerações das feras humanas,
pela melodia da água corrente descendo a serra
e mesmo que aconteça depois de morto,
isto para mim é hoje, uma perspectiva muito agradável.
Quero que as pessoas me deixem fazer em paz
o que jamais deixaram de outra maneira.
Quero que me deixem morrer em paz.
Então, será um lento notar de que alguém partiu.
Aos poucos, um ou outro, em algum lugar, irá perguntar por mim.
Está viajando, será a resposta.
Até que a viagem se alongue a tal ponto, que resolvam dar baixa no cartório.
Mas então, a ausência será contida numa ou noutra lágrima
que secará mais rápido do que brotou e a vida seguirá seu rumo,
sem jamais ter percebido que estive por aqui,
o que hoje, para mim, também é motivo de satisfação,
uma vez que pretendo sinceramente
que a existência acabe mesmo com a morte
e que ambos nos esqueçamos desta maneira:
eu e esse mundo cão.
Não que isso faça diferença, mas exatamente por não fazer.

FOGO-FÁTUO

TELEPATIA


Te amo.
E leio o teu pensamento.
O que manténs aqui fóra,
querias bem aí dentro!

Saudade

domingo, julho 19, 2009

JOGRAL DA PRECE



(menino)

Por que tenho saudade

Do beijo que não me deste

Do afago que não fizeste

Da tua pouca vontade?

(homem)

Saudade de novos dias

Daquilo que tu farias

Do que de ti esperava

Do pouco que alcançava

Quase nada que tu me davas?

(velho)

Loucos amores imaginários

Quais trôpegos seres lendários

A combater moinhos de vento

Sem pronunciar um lamento

(mulher)

Demônio preso aí dentro

Se debatendo a êsmo

Nesse ser que hora é vítima,

Hora é algoz de si mesmo.

(velho)

E então se o tempo acaba

porta e brande em luta a adaga

Nos versos de outrora inspira

No fim dessa guerra insana

Das veias o pulsar arrefece

Inda amor dos poros emana.

E recitas por ela a prece.

(Todos)

Protegei-a Senhor dos tropeços

Da maldade humana, dos enganos

Da trilha na mata, perigo da emboscada

Das traições, armadilhas, da velha escada.

Dos temporais, da borrasca, da ventania.

Protegei-a Senhor, sempre assim

do mal, de tudo e de todos

(Menino)

Menos é claro, de mim....



É certo pois, que sorrio. O faço com gosto. Não vês dor no meu rosto, porque a dor que me domina é interna, é rainha, é só minha, é eterna...

O POETA




O poeta consegue enxergar emoção, perceber os sentimentos, medir a grandeza até da pequenez, antes de todo mundo, de maneira especial.

Então, o poeta pega os fragmentos impressionados de sua alma e transfere para o que escreve, entregando às pessoas.

Com isso, ele compartilha a emoção, sem jamais deixar de entregá-la, por ser agradável ao espírito e benfazeja a quem é oferecida ou ainda que doa, ainda que esta lhe seja o pedaço arrancado do coração.

ESTRANHO SENTIMENTO


Não sei por que
lagrimas correm soltas
em lugares errados
e regam distraídas
os sonhos sepultados
Aqueles emails escritos
tão lindos e apaixonados
não sei assim por que
jamais foram enviados.
O grito de amor calado
o gesto denunciador
o desespero contido
são a medida do amor
que faz do peito abrigo
e cuja chama acesa
ignora a própria beleza
não sei por que também
talvez por me fazer chorar
não quer mais se mostrar
ao mundo e a mais ninguém.

p//

Deixa



Não diga nada
Não perguntes nada
fica calada
fica assim:
Olha para mim
e deixa o tempo escoar
no doce encanto
deste momento
Faça de conta
que o mundo é só nós dois
e que tudo mais
virá depois
Fica assim:
defronte a mim
deixa eu sonhar ,
deixa eu te amar,
mesmo que a história
deste amor
seja de apenas
a deste olhar
e a sua eternidade
caiba inteira
num breve instante,
deixa, deixa eu te olhar.
deixa eu sonhar
que tu és minha!


p//

ERA UMA VEZ...



Coração
desamparado
é um castelo
abandonado
sem um rei
e sem rainha

o meu peito
machucado
é um reino
encantado
que não tem
fada madrinha

Era um tempo
tão antigo
quão distante
Tu, mulher
eu, teu amante...

Tão feliz
eu era então
pois que só teu!
E eras só minha!